sexta-feira, 26 de novembro de 2010

1. João Cabral de Melo Neto, um autor pós-modernista

João Cabral  é para a poesia o que Guimarães Rosa foi para a prosa: ambos são considerados os mais representativos da geração de 45, revelam uma sintaxe ou uma linguagem trabalhada que chega ao requinte formal, mas na origem dessa linguagem arquitetada está o discurso do homem simples, do homem do sertão. Ambos partem da linguagem oral acrescentando a ela seus conhecimentos profundos da língua portuguesa.
O próprio Joaõ Cabral declarou que, para ele, " inspiração não funciona" isto é, sua poesia  não é escrita para falar de suas emoções  ou  para dizer da beleza dos atos. Ela é o resultado de um intenso trabalho formal, em que o poeta  reelabora o texto até atingir a forma que ele julga adequada. E eu considero o seu poema  Catar Feijão  um texto  bem representativo do seu estilo, da sua postura.  O trabalho poético de Joaõ Cabral é,  sem sombra de dúvida,  um trabalho metalinguistico. E disso é que resulta o lirismo de Joaõ  Cabral, é o lirismo que advém da luta  entre o homem e as palavras, do homem contra o individualismo romântico: poesia sobre os dados objetivos da  realidade, com uma linguagem que é arquitetada, elaborada para ser precisa, denotativa.

Catar Feijão
Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo;
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e o oco; palha e eco.
Ora, nesse catar feijão entra um risco;
o de que entre os grãos pesados entre um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar  palavras:
a pedra dá a frase grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com o risco.


Bela analogia! ele, João Cabral , consegue fazer. Quem já catou feijão sabe como é,  e quem precisa  escrever um texto também sabe da angústia pela escolha e  procura da palavra precisa ,  adequada, aquela palavra  que vai  representar o  pensamento.


In.João Cabral de Melo Neto,
Antologia Poética.Rio de Janeiro,Ed.Sabiá,1967.p.16

Um comentário:

  1. A reflexão sobre o ato de escrever está sempre bem discutida! A escrita é resultado de um árduo trabalho... Esse poema nos mostra um pouco do difícil processo que é escolher as palavras que representam melhor o pensamento...Ótimo texto!!

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